Um Porém
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23h59
23h58 – Alguma rua da cidade de São Paulo
O frio estava de bater os dentes. Alberto andava com passadas apressadas em direção ao estacionamento Very Good Park.
23h59 – Estacionamento Very Good Park
Ao chegar na fachada do estacionamento, Alberto deu de cara com um portão fechado. Ele chacoalhou o portão gritando desesperado.
– Ei! Tem alguém aí? Ei! Vim buscar o carro.
Por um instante, pareceu em vão. Depois de alguns segundos, surgiu um manobrista, passadas lentas e ar calmo, comendo um sanduíche.
– Rapaz, o estacionamento tá fechado.
– Como assim?
– Esse horário não abre.
– Mas diz aqui na placa que é 24 horas! Eu só parei aqui porque é 24 horas, preciso do carro.
– Mas não é isso que diz a placa, não.
Alberto olhou fixo para a placa de horário de funcionamento. Releu algumas vezes. Olhou para o relógio.
– Você só pode estar brincando. 0:00 às 23:59 significa 24 horas! Todo mundo sabe disso.
– Na verdade o que está escrito só pode significar o que está escrito.
– Quer dizer que vou ter que esperar 1 minuto para você abrir e ir buscar meu carro?
– Na verdade faltam só 40 segundos.
– Eu não tenho 40 segundos.
– Desculpa, mas são as regras.
– Que regras idiotas.
– Você não quer que eu tenha folga, senhor, é isso? Eu tenho um minuto. Um minutinho de descanso que já estou perdendo quase todo discutindo com você e cê não quer que eu tenha nem isso?
– Qual é, amigo? Vai dizer agora que você trabalha 23 horas e 59 minutos por dia?
– Isso, e folgo quarta-feira.
– Tá um frio de matar aqui fora, posso pelo menos esperar aí dentro?
– Abrir o portão é parte do meu trabalho. Se eu abrisse agora, estaria trabalhando.
Alberto deu um longo suspiro.
– Quanto tempo falta?
– 15 segundos.
– Você tem algum tipo de cronômetro aí, sincronizado com o Big Ben?
– Não, é horário de Brasília mesmo.
– Eu vou querer falar com o gerente, assim que abrir. Quero registrar uma reclamação.
– Eu sou o gerente.
– É mesmo? Então vou escrever uma carta para o dono desse estacionamento, não achei very good, viu?
– Críticas ao nome são com o departamento de marketing.
– Nunca mais estaciono nessa merda ridícula! Loucos enganadores! Onde tá a câmera, Gugu?
– Rapaz. Ninguém enganou ninguém aqui. É só ler a placa. Você só deu azar de vir bem nesse minuto.
O gerente deu a última mordida no sanduíche, limpou as mãos com um guardanapo, destrancou o cadeado e abriu o portão.
0h00 – Estacionamento Very Good Park
Alberto deu alguns passos para dentro do estacionamento. O gerente foi para o balcão de atendimento.
– Qual é o carro?
– Cara, não é sério isso, né?
– Vou precisar do ticket.
– Ah, o ticket!
Alberto revirou seus bolsos, a carteira e não encontrou nada.
– Acho que eu deixei lá no… Já volto.
Alberto atravessou a rua correndo. O gerente observou até ele sumir de vista.