Diário de Copa #3

Diário de Sobrevivência da Copa do Mundo, de Jonas Nogueira

Dia 15

Acordei com vuvuzelas no meu ouvido de novo. Na sala, meu colega de apê Pablo assiste a reprise de algum jogo. Ao me ver, começa a falar sem parar sobre as últimas partidas que viu, faltas e gols e lances polêmicos. Eu saio sem tomar café para evitar ouvir mais daquilo.

Na portaria, pergunto ao seu Jaime se tem alguma correspondência. Ele me dá um calhamaço verde-amarelo de cartas e fala “E o nosso Brasil, hein?”. Respondo “Vai, Brasil” sem ânimo algum. Ele ignora voltando a ver o mesmo jogo que Pablo em sua pequena tevê. Abro as cartas. Não sei quanto gastei esse mês nem se tenho pendências no cartão de crédito, mas descubro que o Itaú é o patrocinador oficial da seleção e que vai torcer junto comigo nessa copa. Grande alívio.

No caminho do trabalho, encontro um amigo da faculdade: Carlinhos. Ficamos contentes dessa coincidência e quero saber como estão as coisas. Ele diz que estão mais ou menos, porque esperava mais do Brasil nos jogos, mas que a copa está bem empolgante. E a namorada dele? Eles estão vendo os jogos juntos. E o pessoal da faculdade? Nenhum viu jogo com ele ainda, me convida para ver o próximo e eu topo.

No ônibus me dou conta de que meu celular está sem bateria e pergunto as horas para o cobrador. Ele responde que a Bélgica joga às cinco da tarde. O mesmo se repete com a senhora sentada ao meu lado. E com qualquer um a que eu me refira sobre horas.

Chego no trabalho. Assuntos sérios são intercalados por comentários de futebol. Assim segue o dia inteiro, com uma televisão ligada. Meus fones de ouvido nunca foram tão preciosos.

Fim do dia. Entro no quarto e risco mais um traço da contagem na parede em cima da minha cama. Sento e acendo um cigarro. Parece que nunca vai acabar.

Diário de Copa #2

Diário de sobrevivência da Copa, de Jonas Nogueira.

Dia 6

Mais um dia de jogo do Brasil.

Esses são os piores dias de copa, quando ela realmente contamina a todos como uma epidemia. Não bastam todas as tevês ligarem nela, todos comentarem resultado de jogo e todos os comerciais serem sobre ela todos os outros dias da semana. Hoje as pessoas pausaram seja lá o que estivessem fazendo para assistir um bando de desconhecidos de amarelo jogando bola junto com o Neymar e uns mexicanitos.

Juiz, advogados, promotores e suspeitos assistem à copa juntos no tribunal. Suicidas, bombeiros e transeuntes assistem do alto de um viaduto. Até manifestantes e policiais militares dão um break para ver a bola rolar em uma agência de banco depredada. E de repente todos esses caras gostam de falar que são brasileiros. É bem estranho isso.

Mas o fato é que não há escapatória. Você pode correr, mas não pode se esconder em nenhum estabelecimento comercial, residência ou escritório.

Restou beber, mais uma vez.

Diário de Copa #1

Meu nome é Jonas Nogueira e decidi fazer um diário de sobrevivência durante A Copa do Mundo. Rezem por mim.

Dia 1

Fui acordado às seis da matina pela bela sinfonia de um sexteto de vuvulezas. O que era para ser um feriado dos namorados já começava mais cedo do que um dia de trabalho. Levantei e me deparei com vuvuzelas na sala, vuvuzelas no chuveiro, vuvuzelas na cozinha, vuvuzelas pela casa toda… até na copa!

O contato com o mundial era inevitável, por todo lugar pessoas uniformizadas com bandeiras, gringos e as malditas vuvuzelas. Por mais que tentasse, todos só falavam de copa, o país tornara-se monotemático. Acabei vendo o jogo porque sem cerveja e sem amigos não seria possível sobreviver a essa loucura. Terminei o dia embriagado e feliz pela vitória do Brasil.

Contitos Perturbados #3 – A noite

A noite faz companhia, na janela ao meu lado. Mas nem sempre é boa companheira. Às vezes, ela traz ansiedade, vontade de explorar o mundo lá fora e a frustração de não poder por causa da rotina e do cansaço.

Quando boa companheira, inspira momentos de criação no meu quarto. Mas ela nem sempre quer ficar de papo pro ar enquanto escrevo ou desenho. Vira e mexe, a noite fica convidativa, chama lá para fora, para a aventura. Não quer saber de ficar trancada, quer me levar para todo canto. Ela conhece todos os botecos e baladas da cidade, é a guia ideal para uma jornada embriagada pela cidade. Eu vou.

Na manhã seguinte, chega o dia dando lição de moral, cheio de valores retrógrados, defendendo os bons costumes. O sol machuca meus olhos enquanto os barulhos do dia destroem os ouvidos. O dia cutuca todos os sintomas da ressaca, tentando me deixar arrependido por ter saído com a noite na noite anterior. O dia só quer que você trabalhe, seja uma peça funcional do sistema. Mas eu não me deixo vencer, sei dos planos do dia.

Fim do dia. Chego em casa, o tempo vira e a temperatura cai. Com esse frio maldito, sou obrigado a fechar o vidro da janela do meu quarto. Agora vejo só o meu reflexo. Te vejo outra hora, noite.